quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pedreiro de São João da Ponte seria usado como 'funcionário laranja' - 3ª reportagem da série constata sinais de má administração no município. Ex-prefeito Fábio Madeiras foi afastado por improbidade administrativa.

Cidade de São João da Ponte que tem pouco mais de 25 mil habitantes (Foto: Reprodução / Inter TV)
Nesta terceira reportagem da série 'Corrupção: Impactos de um crime', a equipe da Inter TV Grande Minas foi até São João da Ponte para contar a história de um pedreiro, Ironaldo Rodrigues de Jesus, uma pessoa simples e pobre que a Justiça acredita ter sido usada como 'funcionário laranja'. Ele foi nomeado secretário de esportes no ano de 2010 (veja vídeo).
 "Eles fizeram uma coisa comigo que nem estava sabendo. É tanto que me levaram para Montes Claros, falando que iam tirar meus documentos sem precisar pagar nada para eles. Daí tiraram meus documentos e não me entregaram até hoje. E fica assim me enrolando", afirma Ironaldo.
Um homem de poucas palavras, mas que segundo um documento de nomeação acumulava grandes responsabilidades. A portaria publicada em janeiro de 2010 e assinada pelo ex-prefeito Fábio Luiz Fernandes Cordeiro, mais conhecido como Fábio Madeiras, mostra que seria de Ironaldo os direitos, deveres e vantagens do cargo, mas ele garante que nunca exerceu a função.
O pedreiro Ironaldo Pereira da Silva (Foto: Reprodução / Inter TV)
O pedreiro Ironaldo Pereira da Silva (Foto:
Reprodução / Inter TV)
"Nunca fui e nem sei o que é isso. Nunca também recebi esse salário", diz o pedreiro.
A Justiça acredita que este é o caso de uma prática comum no Brasil, a contratação de funcionários laranja.
"A nomeação desse sujeito para ocupar um cargo de tamanha relevância foi justamente para condicioná-lo a ser fiador em contratos com a Caixa Econônimica Federal, em favor de parentes do ex-prefeito Fábio. No caso, uma prima de Fábio seria beneficiária a um contrato de fiança prestado pelo Ivonaldo, que atuou como testa de ferro ou mais conhecido com laranja", explica o promotor João Paulo Fernandes.
O financiamento estudantil foi feito em nome de Laura de Cássia Fernandes da Mota. Ela não foi encontrada na cidade. Para Ironaldo restam as dúvidas e as contas. O valor financiado foi de R$ 62 mil e uma das cobranças mostra que a dívida já está em mais de R$ 26 mil. Diante desta situação, a simplicidade do homem que deveria ocupar um dos cargos mais importantes da administração, impressiona.
"Eu não assino, é só com o dedo mesmo. E aquela assinatura que está lá no documento comprovando isso, não sou eu. Eu não consigo, é só no dedo", ressalta o pedreiro.
O promotor João Paulo (Foto: Reprodução / Inter TV)
O promotor João Paulo Fernandes (Foto:
Reprodução/ Inter TV)
Obras paradas
São João da Ponte é uma cidade pequena e tem pouco mais de 25 mil habitantes. Na contramão do tamanho, os problemas são enormes. Por toda a cidade são vários os exemplos do mau uso do dinheiro público. Um deles é a obra de ampliação e reforma do único hospital da cidade que está parada, sem previsão de retorno.

A obra está orçada em R$ 850 mil. E os problemas não param, pois desde 2007 o hospital funciona sem alvará, o que limita as cirurgias. O gerador está abandonado, desde que a prefeitura parou de pagar a conta com a Cemig. O valor devido hoje é de quase R$ 6 milhões e estas não são as únicas irregularidades. Em 2011, o Ministério Público, a Receita Estadual e a Polícia Federal identificaram um esquema de desvio de verba na compra de medicamentos e produtos para a saúde.
 
"As licitações eram todas fraudadas direcionando a contratação para empresas dessas pessoas que já estavam combinadas com o prefeito. A empresa enviava a nota fiscal como se estivesse vendendo, por exemplo, cinco mil luvas. Mas na verdade a empresa não entregava, o município fazia o pagamento para a empresa que sacava o valor e devolvia uma parte do dinheiro para o prefeito", salienta Fernandes.

Segundo a Justiça, o contrato de fornecimento de medicamentos seria de R$ 225 mil, mas somente R$ 50 mil teriam sido entregues. Os suspeitos tentaram enganar a fiscalização.
"O então prefeito mandou um ofício para o Ministério Público dizendo que o setor onde estavam os medicamentos estava a disposição para que pudessemos fiscalizar. Quando fotografamos os medicamentos, pelo número do lote de cada um, foi possível verificar que estes tinham sidos fabricados em datas muito posterior àquela emissão da nota fiscal que justificou a saída do dinheiro do município", esclarece o promotor.
O ex-prefeito Fábio Madeiras (Foto: Reprodução / Inter TV)
O ex-prefeito Fábio Madeiras (Foto: Reprodução /
Inter TV)
Improbidade administrativa
Em fevereiro do mesmo ano, Fábio Madeiras foi afastado por improbidade administrativa. Na época, ameaçado de perder o cargo, teria feito uma manobra ousada emitindo cinco cheques no valor de R$ 50 mil cada em nome de cinco vereadores. E um outro no valor de R$ 60 mil seria destinado para o então presidente da câmara.

"A intenção com o pagamento dos vereadores seria comprar a consciência destes para que em maioria no plenário obstacularizassem ações dentro da Câmara Municipal contra Fábio Madeira", expõe João Paulo.
O responsável pela troca dos cheques seria o amigo e sócio de Fábio, Marcus Vinícius Crispim, conhecido como Corby. Segundo mostram as investigações do Ministério Público, os dois eram sócios em vários esquemas, como nas obras de recapeamento em estradas rurais da cidade.

Segundo a Justiça, os contratos não eram cumpridos e em um deles a fraude chegou a R$ 1,720 milhão. Desde o dia 10 de maio, o ex-prefeito Fábio Madeiras está preso, mas as marcas da má administração continuam incomodando a população. O produtor rural Gevarci Pereira da Silva observa da porta de casa o que não foi feito.

"A ladeira que ele calçou era pra vir até um pouco mais embaixo, mas quando os carros de bois ou os carros pesados tentam passar, não sobem. O cara tem que arranjar socorro para subir a ladeira", diz o produtor.
Fábio Oliva, jornalista (Foto: Reprodução / Inter TV)Fábio Oliva, jornalista (Foto: Reprodução / Inter TV)
O jornalista Fábio Henrique de Carvalho Oliva tem um blog em que aponta problemas na administração pública e coordena também uma ONG de combate à corrupção. Ele faz questão de se aproximar da Justiça e mostra que é possível fazer denúncias pela internet.
"No portal da Controladoria Geral da União(CGU) tem o link para denúncias e tem todas as orientações de como fazer e encaminhá-las. Essas mesmas funcionalidades existem também no site da Advocacia Geral do Estado, do Tribunal de Contas do Estado e da União. São ferramentas que permitem o acesso direto da população à esses orgãos de controle", informa Oliva.
O problema da corrupção no Norte de Minas é observado também pela Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amans). O órgão trabalha para que os administradores tenham conhecimento dos caminhos legais para evitar fraude e desvio do dinheiro público.
"Amans tem parcerias com Ministério Público, Tribunal de Contas, com setores que possam contribuir com essa gestão municipal. Então temos realizados cursos de orientação aos municípios no sentido de licitação e de compras. A Amans tem feito um trabalho de ajuda aos municíios para que cumpram o papel no ponto de vista constitucional", pontua o secretário executivo da Amans, Luiz Lobo.
Para quem vive a realidade da corrupção, sobra o sentimento de indignação. Mas a comerciante e esposa de Gervaci, Ivonete dos Santos, ainda tem esperança. "Quem sabe futuramente os nossos comandantes terão uma direção melhor?".
O que dizem os envolvidos
Leonardo Linhares, advogado do ex-prefeito de São João da Ponte, Fábio Luiz Fernandes Cordeiro, se limitou a dizer que não houve falhas na administração do cliente. Com relação a prima do prefeito, Laura de Cássia Fernandes da Mota, o irmão dela confirmou que Ironaldo foi fiador da estudante, mas disse que por poucos meses e que as parcelas do financiamento foram pagas. Ele também afirmou desconhecer a nomeação de Ironaldo como secretário municipal de esportes.

Já os vereadores, negaram o recebimento dos cheques. A nossa produção também procurou o advogado de Marcus Vinícius Crispim, o Corby, que até o momento não se manifestou.

Sobre a situação do hospital da cidade, o secretário de saúde, Gricélio Cordeiro Veloso informou que há um mês foi assinado um convênio com o Governo do Estado no valor de R$ 600 mil para a retomada das obras. Quanto ao alvará de funcionamento da unidade, ele disse já ter tomado medidas junto à vigilância sanitária para conseguir a liberação do documento, o que deve ocorrer em 15 dias.

Sobre a dívida com a Cemig, que segundo o presidente da Câmara já estaria em R$ 6 milhões, a assessoria da companhia informou que não pode dar informações sobre débitos comerciais.

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