quinta-feira, 19 de junho de 2014

Esquemas de corrupção geram rombo de quase R$ 1 bi no Norte de MG - Série 'Corrupção: Impactos de um crime' mostra articulação de quadrilhas; 1ª reportagem traz situação vivida por moradores de Coração de Jesus.

Moradores da Rua Lafetá, em Coração de Jesus, têm dificuldade de caminhar sobre a rua sem asfalto. (Foto: Reprodução / Inter TV MG)
A atuação conjunta da Polícia Federal e Ministério Público nos últimos 10 anos desarticulou 10 esquemas de desvio de recursos públicos no Norte de Minas Gerais. Estima-se que estes crimes tenham gerado um rombo de cerca de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
A série de reportagens do MG Inter TV 1ª Edição "Corrupção: impactos de um crime" mostra como funcionavam esses esquemas e ainda como tais crimes afetam a vida da população.
Nesta primeira reportagem, nossa equipe foi até a cidade de Coração de Jesus, onde os moradores reivindicam o asfaltamento de 64 metros da Rua Vicente Lafetá. O pedreiro Edson Martins tem um filho deficiente e por causa destas condições teve que sair do bairro.

"Toda vida foi muito dificultoso. Desde a época da minha mãe e do meu pai que a gente vem passando por isso e nunca ninguém fez nada. Eu fui obrigado a sair. Como eu ia ficar com a criatura desse jeito? Tive que sair para dar para ele algo melhor", desabafa Edson.
 

Na mesma rua, o morador Jorge reclama do buraco que só aumenta. Com um problema na perna, as condições do local têm impedido o aposentado de exercer um direito constitucional: o de ir e vir. "Quando estou na rua preciso da ajuda dos vizinhos para chegar em casa. Eu me sinto menosprezado pelas autoridades", conta Jorge.
Os recursos foram liberados pelo Governo Federal para pavimentar as vias da cidade, inclusive a Rua Vicente Lafetá, mas o asfalto não chegou. O servente de pedreiro Geraldo Cardoso afirma que só fica sabendo das obras, mas que nunca acontecem. "Quando o prefeito faz isso está tirando da gente, né? Porque a gente também ajuda eles e eles precisam nós ajudar", diz Cardoso.
Promotor Paulo Márcio. (Foto: Divulgação/Inter TV)Promotor Paulo Márcio. (Foto: Reprodução/Inter TV)
Laudo policial
Um laudo da Polícia Federal concluído em 2012 mostra que nas calçadas que dificultam o acesso de Pedrelina Lima deveriam ter sido construídas rampas. Ela é cadeirante e reforça a importância da acessibilidade para todos os moradores.

"A rampa para nós é de grande ajuda e não só para mim que preciso. Os idosos daqui também precisam dessas rampas. Saber que tinha tudo para fazer e não fez, é sacanagem", afirma.
O esquema de desvio de verba na cidade não foi identificado somente nas obras que não foram realizadas. Algumas até eram feitas, mas em desacordo com o contrato inicial. As calçadas do bairro, por exemplo, teriam que ter as seguintes medidas: 45cm de altura e 15cm de largura, mas foi constatado que ela ficou 5cm menor. Em apenas um bairro se contabilizam um desvio de cerca de R$ 81 mil.
Na administração pública onde esses esquemas acontecem bastam a caneta e a lei favorece isso, pois ela é falha"
Promotor Paulo Márcio da Silva
Os registros do Portal da Transparência mostram que, em quatro anos, foram enviados para o município quase R$ 2,5 milhões para investimentos em obras de infraestrutura, mas as investigações concluíram que parte do dinheiro não foi usada onde deveria e as fraudes foram apuradas durante o mandato do ex-prefeito da cidade, Antônio Cordeiro. O promotor da Justiça Paulo Márcio da Silva aponta que os desvios eram feitos facilmente e de forma silenciosa.
"A gente vê ai na televisão os grandes crimes violentos de explodir caixas eletrônicos, de parar carros fortes com metralhadoras. E na administração pública onde esses esquemas acontecem, bastam apenas a caneta. E a lei favorece isso, pois ela é falha”, afirma o promotor.
O esquema que fraudava obras de infraestrutura na região foi desmontado na Operação Máscaras da Sanidade, no segundo semestre de 2012. As ações eram comandadas pelo empresário Evandro Leite Garcia, em que o nome dele aparecia na sociedade de quatro empresas da construção civil de Montes Claros, uma delas, é a Norte Vale. Segundo o delegado Marcelo de Freitas, os gestores municipais tentavam minimizar os impactos de uma possível fiscalização.
"Os municípios valiam-se de pessoal e recursos financeiros do caixa do próprio município, via de regra do Fundo de Participação Municipal e contratavam servidores e maquinários da prefeitura para tentar fazer uma obra que em hipótese alguma condizia com o projeto inicial", salienta.
Origem da corrupção
As investigações partiram de denúncias vindas de outro município. Foi na pequena Santa Cruz de Salinas, no Vale do Jequitinhonha, que tiveram início as investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, que terminaram com a desarticulação da quadrilha. 

Jair Neto Xavier, que é funcionário público, ajudou na denúncia. A empresa dele foi contratada em 2008 para a construção de um posto de saúde em uma comunidade rural. O valor do contrato era de R$ 22 mil. O que Jair não sabia era que uma das empresas de Evandro já tinha recebido quase R$ 100 mil pela obra. “Nós fomos na internet e vimos a obra que estava funcionando na cidade e a empresa cadastrada era do tal Evandro", afirma.
Polícia prende suspeitos de improbidade admnistrativa.  (Foto: Divulgação/Inter TV)
Polícia prende suspeitos de improbidade
administrativa. (Foto: Reprodução / Inter TV)
A data que aparece no contrato de licitação é 15 de abril de 2008, mas o que chama a atenção é que o documento só foi registrado em agosto. Antes disso, de acordo com as investigações, as notas assinadas por Evandro já tinham sido emitidas e o pagamento liberado.
Jair garante não ter recebido o valor acertado e, por causa das dívidas contraídas com a obra, vendeu a casa onde morava com a família. Depois que denunciou a fraude, ele diz ter sido ameaçado por Marilda, esposa do então prefeito Albertino Teixeira.
"Perguntaram qual a cor do caixão que eu queria. Eu respondi que a minha família tinha condição de comprar um caixão”, conta Jair, que enfrentou a situação na brincadeira, mas com muito medo do Evandro.
O ex-prefeito Albertino Teixeira, a primeira dama, o vereador Manoel Teixeira e mais dois funcionários da prefeitura atuavam com Evandro Garcia em vários esquemas de desvio de verba pública, principalmente através da execução de obras, explica Venilton Coelho, presidente da ONG Amigos de Santa Cruz de Salinas.
"Essas obras foram feitas com maquinário e funcionário da prefeitura. Evandro simplesmente emitia a nota e tirava o percentual dele”, afirma Coelho.
Grupo empresarial que foi desarticulado na operação agia desde o século passado impunemente"
Delegado Marcelo Freitas
A Justiça acredita que o rombo aos cofres públicos da cidade tenha chegado a R$ 400 mil.  Em junho de 2012, durante a ação da polícia, o ex-prefeito orientou a Secretária de Finanças, Edaise Rodrigues, a apagar as provas que comprovassem as fraudes.
Albertino, o irmão, Marilda e os dois funcionários do município, assim como Manoel Teixeira, foram presos por fraude em licitação, lavagem de dinheiro e peculato. Mesmo na cadeia, o então vereador conseguiu ser reeleito e tomou posse por procuração.
“Isso é reflexo de uma sociedade que os acolhe muito bem. Aquele que rouba milhões de reais e que saiu da cadeia é muito bem aceito em todas as rodas sociais, é festejado nos jornais locais, isso quer dizer que se trata de um cidadão idolatrado”, destaca o promotor André de Vasconcelos.
Desvios também em Montes Claros
O esquema comandado por Evandro também era atuante em Montes Claros. A construtora Radier foi habilitada em março de 2012. A obra foi abandonada depois que o esquema foi descoberto na cidade. É o caso dos dois maiores cemitérios da cidade que já dão indícios de superlotação.

“A Polícia Federal, o Ministério Público Estadual e Federal não ostentam a menor dúvida de que o grupo empresarial que foi desarticulado na operação agia desde o século passado impunemente. De modo que todos os prefeitos certamente sabiam que se tratava de um grupo criminoso articulado, especificamente com o propósito de roubar dinheiro publico", garante o delegado Marcelo de Freitas.
Delegado Marcelo diz que Polícia Federal não tem dúvidas quanto ao esquema criminoso que atuava nas prefeituras. (Foto: Reprodução / Inter TV MG)
Delegado Marcelo diz que Polícia Federal não
tem dúvidas quanto ao esquema criminoso
que atuava nas prefeituras. (Foto: Reprodução /
Inter TV MG)
Evandro, a esposa e outras 21 pessoas foram presas. O empresário cumpre pena em um presídio de Montes Claros. Outros quatro mandados de prisão foram emitidos em nome dele. A equipe de reportagem da Inter TV conseguiu autorização da Justiça para entrevistá-lo na unidade prisional, mas ele não quis falar.
Presos na 'Máscara da Sanidade' são condenados a mais de 15 anos
Sem respostas também ficaram os moradores das cidades onde as empresas de Evandro atuavam. A Justiça acredita que, em 15 anos, o rombo aos cofres chegue a R$ 100 milhões. Tal quantia em dinheiro seria suficiente para construir três hospitais, 28 escolas ou ainda 1500 casas populares.

No dia 25 de novembro de 2013 foi divulgada a primeira sentença dos acusados nos esquemas: Evandro e a esposa foram condenados a 17 anos de prisão por peculato, fraudes em licitações, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Duas funcionárias das construtoras, e o ex-vereador Manoel Teixeira pegaram pena de 15 anos de prisão.
O que dizem os envolvidos
Sobre as acusações ao ex-prefeito de Coração de Jesus, Antônio Cordeiro, o advogado Otávio Rocha disse ter certeza de que seu cliente não será condenado, porque as provas do processo são inconsistentes. Ainda de acordo com o advogado, as testemunhas teriam negado a existência de irregularidades e uma inclusive responde a um processo por falso testemunho.

Em relação às rampas que não foram construídas, ele afirmou que a obra não foi executada porque antes deveram ter sido feitas calçadas e que o dinheiro foi devolvido ao Estado.

Sobre Evandro, o mesmo advogado disse nunca ter havido irregularidades nas licitações vencidas pelas empresas dele e que acredita no cancelamento da condenação de seu cliente e espora.

O advogado de Edaise Luciana Rodrigues também espera a anulação do julgamento. De acordo com ele, Edaise foi condenada por crimes que não houve acusação.

Quando ao ex-prefeito de Santa Crus de Salinas, Albertino Teixeira da Cruz , e sua esposa, Marilda Alves Cardoso, o advogado Bruno Cândido afirmou que, após o termino das investigações, os dois não foram condenados em nenhum processo.

Em relação ao ex-presidente da Câmara de Santa Cruz de Salinas, Manoel Teixeira da Cruz, o defensor disse que já entrou com recurso no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e acredita na absolvição do réu.

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