domingo, 3 de fevereiro de 2013

NARCISISTAS E PAPARAZZI


Embevecido de si, Narciso contempla imagem no espelho d'água e a vida passa ao largo
Sinais desses tempos sem fronteiras para espaço e tempo é esse novo tipo de narcisismo em voga, turbinado pela vontade de ‘compartilhar’ a intimidade nas redes sociais – Facebook à frente. Do humor e emoções de cada dia às fotos captadas por todo lado e a toda hora nessas câmeras acopladas ao celular, tudo precisa ser mostrados para amigos e outros nem tanto – porque não há como controlar o que publica na internet.
A mania não é de agora nem se limita ao espaço geográfico do relato que segue adiante. Forçado pelo hobby da escrita diária e ofício de acompanhar o que acontece em Manga e adjacentes, não me canso de surpreender com essa exposição máxima a que as pessoas se atiram por puro prazer da sociabilidade virtual. É o tal espelhamento narcisista, em que (quase) todo mundo se ocupa com o que vai pela vida alheia, mas, sobretudo, quer se ver e ser visto no espelho mágico da tela do computador. 

Em Manga, a febre que toma conta da cidade é ser clicado pelo site de eventos Norticias.com e depois correr para conferir a postagem na internet. Diversão garantida com o resultado do trabalho do fotógrafo Clever Inácio, dono de lentes com mira bastante democráticas na arte de gerar imagens de populares candidatos a 15 segundos de exposição. Nesse sentido um anti-paparazzi, que na definição original são os profissionais que perseguem as celebridades em busca de imagens inéditas, vendidas depois a bom preço para jornais, sites e revistas sensacionalistas. Clever não tem essas veleidades. 

Evento sem cobertura fotográfica na cidade corre o risco de passar despercebido. Não há nem mesmo a necessidade de textos para explicar as imagens, que por si mesmas valem mais do que muitas palavras.  De resto, seria mesmo difícil explicar o que ilustres desconhecidos ilustram os muitos álbuns que vão para parar na rede a cada fornada de eventos públicos – naquelas poses meio esquisitas em que anônimos se aglomeram em conchinhas e sorrisos de comercial de creme dental à espera do seu clique particular. Sem limite, as pessoas também abrem suas residências para os flashs profissionais ou não. Vai tudo parar na rede: de aniversários em família até cozido de galinhada entre vizinhos. Cada tempo com seu modismo.

E as lentes se voltam para tudo e todos os lados. Por feliz conjunção astral, em Manga até mesmo os detalhes mínimos das copas das árvores e das reentrâncias das rochas têm sido anguladas pelas objetivas do fotógrafo Manoel Freitas, que passa temporada na cidade e escarafuncha nossas matas secas e morros com olhar de ourives em busca de imagens inusitadas. E depois posta tudo no Facebook.

Digo feliz conjunção, porque as fotos da natureza revelam as belezas escondidas no cenário geral da aridez dos nossos sertões. Pássaros, insetos, lagartos seculares, paisagens deslumbrantes e o que mais aparecer são clicados em imagens espetaculares destinadas às páginas do Facebook e compartilhadas centenas de vezes.


Na atual toada, não haverá gineceu a androceu que reste escondido da curiosidade pública na primavera que se aproxima e já dá sinais antecipados com os seus pontos multicoloridos no meio da paisagem acinzentada. Cada tempo com seu modismo e o nosso parece mesmo repetir o símbolo narcisista da busca pela imagem refletida. O baixo custo da tecnologia ajuda muito e daqui a pouco vai faltar lugar onde gozar do velho e bom hábito do anonimato. Sorria sempre, você corre o risco de ser flagrado em livre manifestação de mau-humor. Já pensou se cai na rede?

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